quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

tempestade interior.


hey, menina.
não te percas.
não deixe esvair tua espontaneidade.
não te prives do grito, quando for preciso.
te vejo olhando de lado.
como que duvidando da própria essência.
sejas!
seja aí e seja inteira.

seja aí e seja inteira.
a sensualidade esculpida em atos.
a cadência própria do teu ritmo.
a rima vertiginosa e alucinante das tuas palavras.
assim, nessa dança escorregadia, lânguida e profana.
és tu.

és tu.
livra-te das amarras,
das benesses do conforto da rotina.
e daquilo que te inculcaram como certo.
ah! se soubessem!
ousa!

ousa, menina!
ousa a sensação e o ato.
profira a palavra e transforma em fato.
o pulso da vida em teu corpo,
no paradoxo dos teus dias,
na tempestade radiografada do amanhã.
desafia o hoje e
esteja aqui.

não te percas.
seja.
ousa.
esteja...
aqui.
hey, menina!

segunda-feira, 15 de outubro de 2012





 
A receita de UMA felicidade.

Sentia-se feliz. Irremediavelmente feliz.
Naquela única frase residia toda a essência do seu ser.
É claro que precisava de um prólogo para que sua felicidade repentina pudesse ser entendida. Ofereceu, então, a sua história.
Ela, e aqui, só me permitiu chamá-la de Ela, pois sabia que representava outros tantos e tantas, que se juntavam nas prateleiras dos prontuários médicos e que já haviam perdido seus nomes em meio a siglas e números. Ela, 57 anos, casada aos 19, com três filhos. Em seu prontuário era classificada com um F33, apenas outro número. Caso perdido, diriam alguns “experts”.
“Ela” tinha em seu “currículum vitae” vários anos de abnegação, vivendo sua vida em função de outros, tentando ser a melhor esposa, a melhor mãe, adequando-se a expectativas alheias.
Em dado momento, sua vida começara a esvaziar-se de sentido e tudo foi perdendo a importância. Ela assistia sua energia ir embora a cada manhã em que acordava sem vontade de abrir os olhos. E assim começaram as dores, dores do corpo e dores da alma. A tristeza passou a ser sua constante companhia.
Aos 41 anos, por insistência da família, buscara ajuda e, desde então sua existência se resumia a pilhas de receitas controladas, a horas na fila esperando consulta, a infindáveis lições dizendo-lhe que melhorar só dependia dela. Tudo tão incompreensível, tão distante do que sentia. O tratamento que lhe prometeram não deveria ser esse: fazer tudo isso sozinha. Esperava que houvesse família, e marido e filhos. Todos aqueles que tinham uma parcela de culpa pelo seu mal-estar. Assim pensava ela, enquanto se passavam quase vinte anos de uma vida amortecida por medicações.
 Em uma manhã de sábado, voltou do supermercado e encontrou a casa vazia. Só o silêncio, quase palpável, a preencher os espaços. Tudo estava exatamente como deveria estar. Sentiu o tão familiar aperto no peito aproximando-se, a garganta fechando. Largou as sacolas no meio da cozinha e correu para o banheiro.
Deparou-se com o espelho. Olhou-se.
Num ato de extrema coragem, encarou a fragilidade de sua história e expôs-se diante de si.
Observou atentamente cada marca em seu rosto e, com as mãos trêmulas, acariciou cada ruga, experimentando cada expressão que seus músculos eram capazes de fazer.
Uma centelha de luz apareceu no fundo do olhar.
A resposta estava ali, pairando, apenas esperando o momento certo para que ela pudesse agarrá-la. Mas quando fizera a pergunta? Seria isso aquilo que chamam de epifania?
Não sabia.
Uma lágrima escapou, furtiva. A vida soubera ser paciente, de um jeito que “Ela” jamais havia sido.
As expectativas, os acertos, os erros, tudo tinha a ver com: tentativas.
Um esboço de sorriso brotou-lhe no canto da boca.
Suspirou e disse baixinho, como que para o âmago de seu ser:
“Não há garantias na vida... Esteja preparada para tudo”.
                     
No dia de sua derradeira consulta, “Ela” resolveu desafiar os prognósticos. Desculpou-se sinceramente com seu doutor, gostava dele, mas descobriu que gostava mais daquela que reencontrou à frente do espelho. Deixou em cima da mesa do consultório a cartela de comprimidos brancos e foi viver.

Era o que de melhor havia feito por si, a vida inteira.


Anne Luisa Nardi

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012



o que eu deixo a você hoje.

posso te deixar em estado de graça.
posso te prometer fantasias coloridas.
posso te fazer repensar uma vida.
posso encantar teus olhos fugidios.

eu posso ser o teu hoje,
e a tua fuga do ontem...
posso te deleitar com devaneios. 
e posso te dar a 'verdade' do que não és...
te contar histórias e fábulas .

mas te deixo hoje,
apenas com a essência de quem tu és.


sexta-feira, 23 de setembro de 2011


VIII

Costuro o infinito sobre o peito.
E no entanto sou água fugidia e amarga.
e sou crível e antiga como aquilo que vês:
Pedras, frontões no Todo inamovível.
Terrena, me adivinho montanha algumas vezes.
Recente, inumana, inexprimível
Costuro o infinito sobre o peito
Como aqueles que amam.

(Alcóolicas - Hilda Hilst)

sexta-feira, 1 de julho de 2011

impermanência.




giramundo, mundogira.

estar e mover.

voltar e revolver.

apenas aguardando a colisão,

consigo mesmo.




e a donzela gira e gira e gira,

toda borboleta que é...


...

terça-feira, 7 de junho de 2011


“Escrever é enfiar um dedo na garganta.
Depois, claro, você peneira essa gosma, amolda-a, transforma.
Pode sair até uma flor.
Mas o momento decisivo é o dedo na garganta."
(Caio Fernando Abreu.)

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010


Frágil. Frágil. Frágil.

Palavras sussurradas.

Como, de repente, você pode olhar para o mundo e se sentir nua?

Olhar as pessoas que passam e sentir uma estranha e irracional irritação, beirando à raiva.

Frágil.

Quem elas pensam que são pra te deixar assim? – você pensa e pena.

Quem o mundo pensa que é pra te esmagar com sua grandeza, e jogar na sua cara o quão insignificante você é?

Aí você pára.

Simplesmente estaca na rua.

E começa a perceber realmente a pequenez da sua vidinha de merda.

Você está ali.

E o corpo parece pesar.

E se contrai.

Mas você continua andando, tem que andar, e anda depressa.

Como se tivesse o próprio demônio ou até deus no seu encalço.

Mas você sabe – ah... você sabe – que foge daquela estranha pessoa que começa a se mostrar e que te deixa inteiramente...inteiramente...inteira...mente...inteira...

Ela continua atrás de você.

E você atravessa a rua, disputando a faixa de pedestres com rostos assustadores, rezando para que ninguém perceba a outra que está praticamente em cima de você, roçando em seu ombro.

E corre para dentro de outro ônibus, senta no fundo e finge olhar pela janela, querendo se misturar com o vidro.

Talvez ela não te veja, talvez resolva sentar na frente e desista de te perseguir.

Mas você levanta os olhos e ali está ela. Sentando ao seu lado e tocando levemente a sua mão.

E você vê que não pode mais fugir. E ela diz: “Hello stranger!”.

Um sorriso involuntário brota no rosto e você percebe que quase consegue gostar dela. Um amor suplicante.

Mas logo ela olha diretamente no fundo, bem no fundo dos seus olhos e retira deles uma furtiva lágrima.

E você tenta reter, suplicando: “Isso é meu!”.

Inútil.

A mão quase transparente já colheu o que te era mais sagrado.

A sua doçura, a sua pureza.

E você se torna quebrável, atingível, humana...

Docemente, angustiantemente, frágil.