sexta-feira, 27 de abril de 2007

perto, bem perto.


" fechou os olhos, vagarosamente foi descansando. quando os abriu recebeu um pequeno choque. e durante longos e profundos segundos soube que aquele trecho de vida era uma mistura do que já vivera com o que ainda viveria, tudo fundido e eterno. estranho, estranho."
[perto do coração selvagem - clarice lispector]

terça-feira, 10 de abril de 2007

nada.


lispector está me enlouquecendo. a cada página comida, tenho uma indigestão literária, e sinto ela percorrer minhas entranhas, viciando meu sangue. uma bomba-relógio prestes a explodir no alvo, meu cérebro. e tenho que vomitá-la. palavras jorrantes, que saem de mim e sujam o pedaço de papel. não quero mais isso no meu corpo. veneno sem antídoto. maldita hora em que a encontrei, ou foi ela que me encontrou? já não sei, ela é traiçoeira. atrai, seduz... envolve em sua teia e enlouquece e mata. mas não há como escapar, a paixão é instantânea. começa com receio, aquele olhar desconfiado para a estante, olhar de quem se pergunta que tesouro há escondido no calhamaço de folhas à frente... o receio é transformado em ousadia, afinal, o que pode haver de tão perigoso num amontoado de palavras? a ousadia se transforma em coragem, e aí... aí não há como voltar atrás, você já foi pego. e então a volúpia e até uma espécie de luxúria competem com a razão enquanto você mergulha cada vez mais profundamente nas palavras, que se juntam em linhas para parecerem comuns, banais... ledo engano. nada mais é banal dali por diante. exatamente nada. e até o nada.
e só resta a loucura e lispector continua me enlouquecendo e preciso alimentar essa loucura, dia após dia, noite após noite, uma fome insaciável desse alimento, que me causa indigestão, e vomito mais uma vez as palavras num pedaço de papel. exatamente como agora.

quarta-feira, 4 de abril de 2007

reiterando...

...existe essa coisa simples, antiga e quase esquecida pela possibilidade infinita de se distrair com as mentiras modernas do mundo. existe o amor, mas onde ele foi parar depois de tudo isso? eu não tenho um portão para te esperar, como minha avó um dia esperou pelo meu avô e eles ficaram juntos por 70 anos. talvez eu também seja engolida por esse mundo que cria tantas facilidades para a gente não sofrer. tenho medo de que tudo seja uma mentira e de verdade sinto que é, mas ainda acordo feliz todos os dias esperando que ao menos você seja verdade.

[tati bernardi- eu só queria um namorinho de portão]

amo você com toda a pieguisse que um amor pode comportar e com todo o sentimento que reside nessa mesma pieguisse.
by anne.

há flores que nascem entre pedras.




acho que sou... como diria lispector “um sabido ignorante, um sábio ingênuo, um sonso honesto, um pensativo distraído...”
não quero a facilidade das coisas bem resolvidas, quero mais é me perder no âmago da ignorância... e ser chamada de boba, de atrasada, de romântica. os mais modernos que me desculpem, mas nesse quesito, do amor, ainda vivo no século XIX. serenatas na sacada, flores sem motivo, poemas e canções à amada... atos dignos de romance shakespeariano.
sim, eu sou uma “boba romântica” e me orgulho disso.

domingo, 1 de abril de 2007

com(o)um.

essa é a história de joão. um cara comum, cansado de ser comum. então joão era um cara comum, em todos os sentidos. tinha uma vida comum, uma família comum com uma mulher comum e dois filhos comuns. tinha um carro comum, comprado na revenda da esquina, uma casa comum, financiada pela caixa econômica. tinha um emprego comum numa empresa de alimentos comum. joão... quer nome mais comum que joão?? mas como eu disse no início, joão, o cara comum, estava cansado de ser comum. não queria mais sua vidinha comum e todos os “comuns” que dela faziam parte. só que joão não via perspectivas para mudar essa sua realidade comum.
foi então que num dia comum, indo para seu trabalho comum, ele reparou em um prédio, que não era nada comum, um prédio vistoso, devidamente alojado numa das esquinas chiques da cidade. tinha sete andares, as janelas amplas e brilhantemente envidraçadas. joão parou e ficou admirando o descomunal amontoado de concreto e pompa. ah! queria ser como aquele edifício. queria ser admirado pelas pessoas que passassem por ele, queria poder brilhar como aquela vidraceira toda. queria ter sete andares, para olhar tudo e todos de cima. sim! joão era ambicioso. mas a vida comum não lhe permitia progredir na sua ambição. a partir daquele dia, joão saia todos os dias mais cedo de casa para dar uma paradinha em frente ao seu objeto de admiração. ficava vidrado nele por 15 minutos e então acordava e ia para seu trabalho, repetir as mesmas coisas do dia anterior, ser humilhado pelo chefe, cumprir prazos, admitir ser escravo da mesmice. assim que se livrava do tormento profissional, voltava para casa, não sem antes ficar mais 15 minutos abobalhado em frente ao suntuoso edifício. chegava em casa, dava um beijo sem gosto na mulher, que lhe perguntava sobre o dia, ao que ele respondia com um mísero “foi tudo bem amor”. e então tomava seu banho, em seu banheiro comum, e colocava seu pijama comum, para jantar a comida comum da mulher e deitar na sua cama comum, para ter sonhos. nos sonhos era que joão se permitia não ser comum. e joão sonhava que era aquele prédio. e a noite passava e outro dia chegava, para ser repetição, rotina de um cara comum.
mas aquele dia foi diferente. joão, ao sentar-se diante do prédio, teve uma idéia brilhante. algo que poderia marcar sua vida comum para sempre. algo que iria tira-lo do roll dos mesmos e mesmas que ali passavam.
num impulso de exaltação adentra as portas do seu sonho. era um prédio residencial, mas por sorte ou obra do destino, não havia ninguém na entrada àquela hora. entrou no elevador e olhou para o número que dava para o terraço, que parecia ter se iluminado naquele instante.
enquanto subia, joão sentia o coração palpitar, a boca secar e o corpo suado tremer. finalmente chegara. encaminhou-se até o parapeito e seus olhos brilharam. sua visão o fez crer que agora ele era aquele prédio. sim! sentia o vento gélido da manhã acariciar sua pele, sentia o cheiro das alturas, sentia-se o mais poderoso de todos os homens que andam por essa terra comum. nunca mais ele, joão, seria comum. não depois daquela experiência. e foi com esse pensamento que ele concluiu que não poderia mais voltar para sua casa comum, para sua família comum, para seu trabalho comum, para sua vida comum. olhou para o horizonte despontando por entre os outros prédios que agora o invejavam e lançou-se... e enquanto bailava pelo ar, sentia-se com um deus, uma alegria imensa o acompanhava, ele podia tudo! e foi com um sorriso esplêndido no rosto que joão foi encontrado ao chão agora marcado pelo vermelho do seu sangue. e a multidão juntou-se ao redor, tentando entender o que havia acontecido. joão conseguira. não era mais comum!muito tempo depois, seus amigos ainda comentavam nas rodinhas do happy hour como um cara que tinha tudo, emprego, família, casa, carro poderia ter feito tão desvairado ato. mas joão se ainda vivesse estaria rindo da cara deles afinal, não entenderiam jamais, eles eram tão... “comuns!”.