sexta-feira, 8 de agosto de 2008

o dia em que traí clarice. (ou sobre quando conheci hilda.)


eu já havia lido o nome dela em alguns lugares. e eu reticente, fiel, só pensava em clarice.
não me falem de outra! não me mostrem, eu não vou ver. ela é a única.
poderia dizer que ‘a carne é fraca’. em se tratando deste assunto, realmente é.
caio já me prevenira “um olho no divino, um outro em astaroth. ninguém sairá ileso. como não se sai, afinal, da própria vida.” eu dei ouvidos? talvez por um tempo.
assim aconteceu, sempre sou seduzida. palavras são o meu ponto fraco... e foi assim que traí clarice.
clarice deitada em meu colo. seus olhos perscrutavam minha indecisão. eu a olhava também, mas meus olhos não souberam ser tão verdadeiros, nem tão inocentes, havia quase maldade neles.
acarinhei seus desejos, suas carências pensando: “eu vou traí-la. desculpe-me.”.
ela simplesmente sorriu como se já antevisse os fatos. ah!...clarice. sempre sabe...
sua expressão serena a princípio desconcertou-me. mas vi o que ela mudamente dizia: “você precisa. vá!”.
e assim me lancei nos braços daquela outra. clarice sabia. eram parecidas. a mesma dor as consumia, mas jorravam de maneira diferente.
hilda era envolvente, sensual. hilda desbocada, intrépida, fervorosa. quase em ebulição. me lembrou um certo nelson de outras viagens. sua obscenidade me tomou. ela escreveu em letras garrafais em minha testa: "...e o que foi a vida? uma aventura obscena, de tão lúcida". marcou meu corpo com seus dentes, ela, a senhora obscena d.
e em sussurros bulinou em meus ouvidos: “que canto há de cantar o indefinível? o toque sem tocar, o olhar sem ver. a alma, amor, entrelaçada dos indescritíveis. como te amar, sem nunca merecer?
lembrei-me de clarice, a minha clarice, mórbida, melancólica, profunda, escura. percebi que era seu jeito de amar a vida.
o quase gozo que hilda me proporcionava se tornou ínfimo diante do prazer de estar com clarice. o mesmo escuro de que sou feita, é o que me dá clarice. é o que me alimenta. mas hoje carrego pedaços de hilda comigo, hoje sou escura e obscena e sei que clarice entende. essa obscenidade que carrego comigo, hoje completa, não só a mim. mas também a ela... clarice.
e somos perfeitas agora, juntas.
e quando voltei, ela sabia que algo havia mudado, olhou-me diretamente nos olhos, ainda envergonhados pela traição, e segredou: "tão secreta é a verdadeira vida, que nem
a mim, que morro dela, me pode ser confiada a
senha, morro sem saber de quê.
e o segredo é tal que, somente se a missão
chegar a se cumprir é que, por um relance,
percebo que nasci incumbida
- toda vida é uma missão secreta."



agradecimentos à hilda hilst, caio fernando abreu e principalmente à clarice. minha doce clarice.

by anne. 7:46 pm.

3 comentários:

Marcus Machado disse...

Algumas vezes tenho esse estranho desejo de traí-la, mas é tão momentâneo quanto a lembrança de morrer: me foge da mente antes que perceba.
O texto é ótimo.

Unknown disse...

Conhecendo Hilda, a traição é um ótimo pedido.
Gostei do Blog,visitarei mais vezes.

Isabela da Cunha disse...

Tranasborda-me.

www.isasutilmente.blogspot.com